Não espere encontrar nas obras do francês Fabien Toulmé nenhum grande experimento em relação ao uso da linguagem das histórias em quadrinhos. Seus enquadramentos são fixos e seus designs de páginas conservadores. O foco de seus trabalhos está na história. Na maior parte das vezes, em adaptações de relatos reais.
“Conto uma história mais ou menos como se eu estivesse com uma câmera com o quadro fixo e eu estivesse filmando umas cenas com esse quadro fixo”, diz o autor.
“O meu foco é a história, a relação entre as personagens, as emoções que eu vou conseguir passar com os meus limites de desenho. Coloco toda a minha energia nesse espaço de retransmitir as emoções e você ter a sensação de que está vivendo a história que está lendo”. As 128 páginas de “Inesquecíveis” seguem à risca a “fórmula Toulmé”.
Coletânea de seis histórias reais, o álbum é o oitavo título do quadrinista publicado no Brasil desde 2017. O primeiro deles foi o autobiográfico “Não é você que eu esperava”, sobre a chegada de sua filha com síndrome de Down. Três dessa leva compõem a trilogia “A Odisseia de Hakim”, uma adaptação de Toulmé para o relato de um refugiado sírio em sua fuga, com a família, rumo à França.
A primeira das histórias de “Inesquecíveis” narra os vários anos de uma mulher como parte das Testemunhas de Jeová. A segunda é parcialmente ambientada no Brasil e conta a relação de amor e amizade entre um padre e uma aeromoça, a terceira é um relato de uma sobrevivente de estupro, a quarta gira em torno do genocídio de Ruanda de 1994, a quinta mostra uma história de amor ao longo de anos e a sexta consiste na jornada redentora de um criminoso.
Cinco das seis histórias partiram de leitores de Toulmé. Consistem em relatos enviados a ele após um post nas redes sociais pedindo por histórias de vida que seriam transformadas em quadrinhos. Apenas a última partiu de uma busca do autor por um vivência de reinserção social.
“Inesquecíveis” nasceu de uma proposta dos editores do periódico belga “Spirou” impressionados com o resultado de “A Odisseia de Hakim”. A ideia era adaptar em uma página os relatos reunidos por ele com seus leitores. Insatisfeito com o resultado na página única, ele ganhou espaço e viu o projeto crescer.
Na colorização ele teve o auxílio do brasileiro Miguel Felício. Eles criaram uma paleta de cores para cada história, trabalhando sempre com dois tons, além do preto e do branco.
“Fui repassando todos os emails e quando tinha um que me chamava atenção, eu parava, aí eu escrevia para pessoa para pedir mais detalhes, caso necessário, ou pedia para fazer uma entrevista. Tentei escolher temáticas e emoções diferentes”, afirma Toulmé, sobre o critério de seleção das histórias.
“Acho que o que define a trajetória dessas pessoas é uma situação inicial, geralmente uma prova de fogo, e elas vão aprendendo e progredindo. Elas vão enfrentando essa situação de perigo, de sofrimento. Acho que o que eu gosto nessas histórias é justamente a maneira como você atravessa um período complicado da sua vida e como esse período não define totalmente a sua a sua vida, mas é uma etapa”.
Um segundo volume de “Inesquecíveis”, com novas histórias, tem lançamento marcado para a França em outubro de 2024. A previsão é que a continuação seja lançada no Brasil em 2025.