Com “The Old Man’s Back Again”, uma belíssima canção de Scott Walker, o diretor israelense Yuval Adler inicia seu quarto longa-metragem, “Ligação Sombria”, tradução pobre para o original que cita outra canção sessentista, “Sympathy for the Devil”, dos Rolling Stones.
No enredo, Nicolas Cage é o passageiro misterioso que invade o carro do personagem interpretado por Joel Kinnaman, enquanto este esperava uma vaga no hospital onde sua esposa entrava em trabalho de parto.
Uma única ordem: “dirija”. Para onde e por que, é algo que descobriremos aos poucos. E nesse caso, a descoberta não enfraquece o filme, como acontece em boa parte do cinema americano contemporâneo. Palmas para o roteiro razoavelmente bem arquitetado pelo novato Luke Paradise.
O olhar de Cage é tenebroso. Seus cabelos pintados de vermelho evocam o inferno, que parece ser sua morada. Um enviado das trevas para atazanar um pacato pai de família.
Ameaçador como o capeta, mas não há nada de sobrenatural na história. O terror é psicológico. Esse pai teve alguma má ação no passado, que agora volta à tona de forma violenta.
Não estamos distantes do longa anterior de Adler, “Os Segredos que Guardamos”, em que o mesmo Kinnaman tenta seguir a vida num subúrbio americano, no final dos anos 1950, apagando seu passado como soldado nazista, abusador da cigana interpretada por Noomi Rapace.
Se no outro longa a ligação óbvia é com “A Morte e a Donzela”, filme de 1994 dirigido por Roman Polanski, neste “Ligação Sombria” nos vêm à mente uma série de filmes, de “O Mundo Odeia-me”, de Ida Lupino, a “Marcas da Violência”, de David Cronenberg, passando por “Colateral”, de Michael Mann.
O cinema do diretor, desde o primeiro longa, o badalado “Belém – Zona de Conflito”, de 2012, tem essa assinatura enviesada. Seus filmes fazem alusões a outros, muito melhores, quando não os utilizam como moldes. Cinema derivativo. Ao mesmo tempo, não dá para negar a boa escolha dos moldes, e que sua direção é em boa parte eficiente.
Com enxutos 90 minutos, muita violência e uma tensão permanente, o maior desafio de Adler é controlar o histrionismo de Cage, ou deixar que sua atuação exagerada defina os moldes da direção.
É essa segunda possibilidade que acaba acontecendo, e talvez seja preferível assim. Melhor dançar conforme a música do que tentar controlar o fogo e se queimar ao menor descuido.
Brian De Palma usou bem o histrionismo de Cage no brilhante “Olhos de Serpente”, de 1998, em que o astro interpreta um policial que nos é apresentado em outra voltagem. Para elucidar o crime ocorrido diante de seus olhos, ele precisa modular sua atuação, deixar de ser histriônico para se exercitar na contemplação e na análise.
Em “Ligação Sombria”, Cage não é mocinho, é o vilão. Adler, obviamente, tem muito menos recursos que o diretor de “Dublê de Corpo”, logo, deve se contentar em adequar seu estilo ao que o astro pede, no que se sai razoavelmente bem.
Em algumas cenas, sentimos que o vilão escorrega no grotesco. Um outro ator poderia se embananar nesse aspecto, mas de algum modo o carisma de Cage sustenta mesmo os exageros, compensando a destruição que promoveu no recente “Longlegs”, de Oz Perkins.
Seu companheiro de elenco, Joel Kinnaman, tem uma boa atuação, reforçando a ambiguidade de seu personagem de rosto pacato que esconde muitas coisas.
Talvez este seja o mais seguro dos veículos recentes para Cage. É também o momento em que Adler mostra alguma habilidade para lidar com elementos contraditórios.
As canções mencionadas no começo deste texto também possibilitam percepções interessantes. A de Scott Walker foi dedicada, na contracapa do disco original, de 1969, ao regime neostalinista, no que pode ser uma provocação do diretor. A dos Stones, de 1968, obviamente diz respeito à caracterização do vilão.
Essas pistas, intencionais ou não, enriquecem o filme pelas entrelinhas, algo que há muito deixou de ser frequente no cinema americano.