O jornalista Sérgio Cabral morreu neste domingo (14), aos 87 anos. A informação foi confirmada por seu filho, o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral.
“O meu pai acabou de falecer. Resistiu por três meses. Peço a vocês que orem pela alma dele, por tudo que ele fez para o Rio, pela música e pelo futebol”, disse o ex-governador nas redes sociais. “Divido com vocês essa dor da perda do meu pai.”
Em 1959 o Jornal do Brasil estava na moda. Mais do que um jornal, era uma referência e uma tendência que viria a ser copiada por outros veículos, na esteira da reforma implantada por Odylo Costa, filho, Jânio de Freitas, Amílcar de Castro, Reynaldo Jardim, entre outros.
Todo jornalista sonhava em trabalhar na sede da avenida Rio Branco, 110. Com 22 anos, Sérgio Cabral era um deles. Tanto fez, tanto insistiu, que conseguiu, tornando seu nome conhecido.
No Caderno B, o suplemento de cultura e variedades, começou a fazer, a partir de 1961, uma página semanal sobre música popular brasileira trazendo longas entrevistas com os pioneiros do samba. Nunca as páginas do Jornal do Brasil, uma publicação conservadora e ligada à tradição católica, havia estampado tantas fotos de pretos e mulatos: Ismael Silva, Bide, Carlos Cachaça, Cartola, Bucy Moreira, Alvarenga, Alvaiade, Aniceto.
A condessa Pereira Carneiro, dona do jornal, o apoiava. Ao encontrá-lo na redação, perguntou: “Mas você é o Sérgio Cabral? Tão novo…”, e lhe deu um abraço e um beijo.
O trabalho no JB se transformou no primeiro livro do jornalista, publicado em 1974: “As Escolas de Samba: O Quê, Quem, Como, Quando e Por Quê”, relançado e ampliado em 1996, com o título de “As Escolas de Samba do Rio de Janeiro”. É a obra mais importante de Sérgio Cabral, que oferece ao leitor acesso não só às origens e ao desenvolvimento das escolas, mas sobretudo ao conhecimento das figuras que, driblando a adversidade e a perseguição da polícia, fizeram possível o espetáculo dos desfiles.
Sérgio de Oliveira Cabral Santos nasceu em 1937 em Cascadura e cresceu em Cavalcante, bairro vizinho. Seu pai, José Jugurta Santos, era sergipano e sargento da Marinha; a mãe, Regina Cabral Santos, carioca como o filho. Depois de estudar em casa e em internatos públicos, virar torcedor do Vasco, se apaixonar pela voz de Orlando Silva e dar duro como operário da Central do Brasil, virou jornalista influenciado pela obra de Lima Barreto, escritor sobre quem se preparou para responder no programa O Céu é o Limite.
Em 1957 começou na reportagem de polícia do Diário da Noite. Numa folga do plantão nas delegacias, entrevistou sua futura mulher, Magali, que era candidata a Miss Distrito Federal. No Jornal do Brasil, apesar do sucesso, ficou apenas três anos: foi demitido em 1962 por participar de uma greve. Pelo mesmo motivo, perdeu o emprego em O Globo, em 1986. “Eu sou o único jornalista do Brasil demitido duas vezes por causa de greve”, comentou numa entrevista.
Depois de curta passagem pelo Diário Carioca, que tinha o hábito de não pagar aos empregados, pulou para Tribuna da Imprensa, Correio da Manhã, revistas Manchete e Intervalo. O Pasquim surgiu quando Sérgio, em 1969, fazia jornada dupla na editoria de política da Última Hora e na sucursal da Folha de S. Paulo, cobrindo o Itamaraty. Convidado por Tarso de Castro, seu companheiro na UH, para ser o editor de textos do semanário de oposição à ditadura militar, fez parte do grupo fundador, com os cartunistas Jaguar e Claudius.
Em 1970 foi preso com Tarso, Jaguar, Ziraldo, Paulo Francis, Fortuna, Luiz Carlos Maciel e Paulo Garcez. Nos dois meses em que passou na Vila Militar, distraiu-se relembrando velhos sambas e até compôs uma paródia: “A Vila não é mais aquela/ Já não é mais tão bela/ Como Noel cantou”.
Em 1979 lançou uma obra que de certa maneira é a continuação do volume acerca das escolas de samba. “ABC de Sérgio Cabral: Um desfile dos craques da MPB” reúne perfis de compositores e cantores narrados em estilo saboroso. O verbete dedicado a Ciro Monteiro – na letra F, de Formigão – é engraçadíssimo, e nos faz perguntar por que Sérgio Cabral não fez um livro sobre seu amigo Ciro e o samba sincopado.
A partir de 1977, com a publicação de “Pixinguinha, Vida e Obra”, dedicou-se à tarefa de biografar grandes nomes da música brasileira. “No Tempo de Almirante” é mais do que a vida do parceiro de Noel Rosa, é uma pequena história do rádio no Brasil. Seguiram-se as biografias de Tom Jobim, Ary Barroso, Elizeth Cardoso, Nara Leão, Ataulfo Alves, além de perfis de Carlos Manga e Grande Otelo. Ficou faltando a trajetória de uma grande amiga, Aracy de Almeida.
Como produtor de discos e shows, atuando em São Paulo e no Rio, deu impulso às carreiras de Martinho da Vila, João Nogueira, Dona Ivone Lara, Clara Nunes, Beth Carvalho, Alcione. Pouca gente sabe, mas o nome artístico Paulinho da Viola é uma criação de Sérgio Cabral. Com Rildo Hora, compôs um grande sucesso: “Os Meninos da Mangueira”, gravado por Ataulfo Alves Jr.
“Possuidor do par de olheiras mais sexy do Brasil”, segundo o comentário de Jaguar, disputou em 1982 sua primeira eleição. Com boa presença na Câmara de Vereadores do Rio, foi reeleito duas vezes consecutivas, em 1988 e 1992. Assumiu a secretaria de Esporte e Lazer. Em 1993, foi indicado pela Câmara conselheiro do Tribunal de Contas da cidade.
Em 2007 roteirizou e dirigiu, com Maria Rosa Araújo, o musical “Sassaricando: E o Rio Inventou a Marchinha”, fenômeno de crítica e público, que ficou em cartaz durante anos e excursionou pelo Brasil. Àquela altura, ele já era “o pai de Sérgio Cabral”, o político de carreira meteórica, mais tarde envolvido em denúncias e condenações por corrupção e lavagem de dinheiro.
Diagnosticado com Mal de Alzheimer, Sérgio Cabral viveu os últimos anos recordando-se das conversas que teve com os pioneiros do samba. Lembrava-se da primeira vez que viu e falou com Pixinguinha como se fosse ontem.